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Novo Consignado: oportunidade ou cilada?

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Rafael Henrique - Dreamstime
Consignado CLT

Resumo – Novo Consignado: oportunidade ou cilada? Descubra como funciona essa nova modalidade de empréstimo para trabalhadores CLT.

 

O governo lançou um novo produto de financiamento: o e-consignado. Até o momento, as informações indicam que essa nova modalidade de crédito será destinada a trabalhadores com carteira assinada, funcionando de maneira semelhante ao já conhecido empréstimo consignado.


O que é o crédito consignado?


O crédito consignado é um tipo de empréstimo cujas parcelas são descontadas automaticamente do salário ou benefício do tomador. Essa segurança para o credor faz com que as taxas de juros sejam significativamente mais baixas do que em outras modalidades de crédito. Em contrapartida, o tomador tem um comprometimento fixo de renda, sem possibilidade de atrasar ou suspender o pagamento.

Para entender melhor a dinâmica do crédito, é importante considerar que quanto maior a garantia oferecida, menor a taxa de juros. No crédito pessoal tradicional, não há garantias, tornando os riscos para os bancos mais elevados e, consequentemente, os juros mais altos. Já no crédito imobiliário, a garantia é o próprio imóvel, o que reduz o risco e resulta em taxas menores. O financiamento de automóveis está em um meio-termo, pois o bem pode ser localizado e recuperado, mas ainda assim tem maior risco em relação a um imóvel.

O crédito consignado tem história no Brasil desde a década de 1950, quando era restrito a funcionários públicos. Somente em 2003, durante o primeiro mandato de Lula, seu acesso foi ampliado para beneficiários do INSS e trabalhadores da iniciativa privada.


O problema da intermediação das empresas


No modelo atual, o crédito consignado depende de uma negociação entre os bancos e as empresas onde os trabalhadores estão empregados. O RH das empresas intermedia esse processo, realizando o débito na folha de pagamento e repassando o valor ao banco. Isso faz com que algumas empresas tratem essa modalidade como um benefício oferecido aos funcionários. No entanto, surgem problemas quando os RHs negociam condições especiais com os bancos, muitas vezes sem transparência e utilizando o salário dos trabalhadores como moeda de troca.

O novo e-consignado busca resolver esse problema ao eliminar a necessidade de intermediação das empresas. A ideia é que o trabalhador tenha acesso direto às ofertas dos bancos, permitindo uma concorrência maior e, teoricamente, reduzindo as taxas de juros.

 

Benefícios e riscos do e-consignado


A proposta do governo inclui a criação de uma plataforma única, na qual todos os trabalhadores poderiam acessar ofertas de diferentes bancos de maneira simples e transparente. Esse formato facilitaria a substituição de dívidas mais caras por outras com taxas menores, tornando o processo semelhante a um leilão de taxas de juros.

Outra possível novidade é a utilização do FGTS como garantia para essas operações. Contudo, ainda não há detalhes claros sobre como isso funcionaria na prática. Apesar dos potenciais benefícios, é necessário considerar os riscos. Um dos principais é o aumento do endividamento das famílias. Atualmente, cerca de 70% das famílias brasileiras estão endividadas, e uma maior facilidade para contratar crédito pode piorar essa situação.

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A falta de educação financeira


Outro ponto preocupante é que não há previsão de ações voltadas à educação financeira para acompanhar essa nova modalidade de crédito. O Brasil ainda tem dificuldades nesse tema: baixa habilidade em operações matemáticas, pouco conhecimento sobre orçamento doméstico e falta de preocupação com a criação de uma previdência pessoal para o futuro. Sem educação financeira, o risco de mau uso do crédito aumenta consideravelmente.


Quem realmente se beneficiará?


Há também uma preocupação sobre a concentração bancária. Grandes bancos tradicionais, que já possuem um grande número de contas correntes, podem sair na frente nessa nova modalidade, pois o desconto das parcelas não será mais feito diretamente na folha de pagamento, mas sim na conta corrente do trabalhador. Isso pode reforçar a concentração do sistema financeiro, beneficiando os grandes bancos em detrimento de novos concorrentes.

Outro fator que influencia as taxas de juros do consignado é a inadimplência, que varia conforme o perfil do tomador. Além disso, os custos operacionais dos bancos também impactam os juros. Instituições digitais, que possuem uma estrutura mais enxuta, conseguem oferecer taxas menores do que bancos tradicionais, que dependem de agências físicas e de correspondentes bancários.

Outro ponto relevante é a disparidade entre o crédito consignado privado e o voltado a servidores públicos e aposentados. Segundo o ministro Fernando Haddad, enquanto o estoque de crédito consignado para trabalhadores da iniciativa privada gira em torno de R$ 40 bilhões, o destinado a servidores públicos e aposentados alcança aproximadamente R$ 600 bilhões. Isso ocorre apesar de os volumes de folhas de pagamento serem semelhantes, o que demonstra uma grande concentração do crédito no setor público.


É preciso equilibrar o risco

 

O e-consignado tem o potencial de democratizar o acesso ao crédito, aumentar a concorrência e reduzir as taxas de juros. No entanto, também há riscos significativos, como o aumento do endividamento e a manutenção da concentração bancária. Sem uma forte política de educação financeira e mecanismos de proteção ao consumidor, essa nova modalidade pode se tornar mais uma armadilha do que uma solução.

 

Medida contraditória em meio a juros altos

 

Embora o e-consignado prometa facilitar o acesso ao crédito e reduzir taxas por meio da concorrência entre bancos, a medida levanta questionamentos quanto à coerência da política econômica atual. De um lado, o Banco Central mantém taxas de juros elevadas com o objetivo de conter a inflação e desestimular o consumo. 

De outro, o governo lança um produto que, na prática, aquece a economia ao facilitar o crédito e estimular o consumo imediato. Essa contradição pode enfraquecer os esforços de controle inflacionário e ainda abrir caminho para uma nova onda de endividamento, especialmente se os empréstimos forem contratados sem planejamento financeiro adequado.

Por João Victorino

João Victorino é administrador de empresas e especialista em finanças pessoais. Formado em Administração de Empresas e com MBA pela FIA - USP. Executivo em empresas multinacionais nas áreas de desenvolvimento de negócios, marketing e estratégia. Possui ampla experiência no empreendedorismo e hoje divide esses aprendizados. Para isso, o especialista criou e lidera o canal A hora do dinheiro , com conteúdo gratuito e uma linguagem simples, objetiva e inclusiva.

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